|EU VI| RETRATO DE UMA JOVEM EM CHAMAS
Data de lançamento 9 de janeiro de 2020 (2h 02min)
Direção: Céline Sciamma
Elenco: Noémie Merlant, Adèle Haenel, Luàna Bajrami...
Gêneros: Drama, Histórico
Retrato de uma Jovem em Chamas começa narrando o futuro, porém nos remonta ao passado, em um vislumbre cenário que resultou numa pintura do que seria a “jovem em chamas”.
Muito arredia, Héloïse (Adèle Haenel) já havia se recusado a posar para um pintor antes, afinal, não era de seu interesse se fazer conhecida ao seu prometido noivo italiano, ao qual não era sua intenção casar-se. É sob esse cenário que a condessa (Valeria Golino) contrata Marianne (Noémie Merlant), a qual delegou a missão de completar a pintura da sua filha, recém saída do convento. A depender de como ficaria o retrato, o suposto pretendente de Héloïse iria aprová-la para um possível matrimônio.
Marianne, suposta “dama de companhia”, tinha como missão pintar a filha da condessa sem a mesma saber. Só que à medida em que observava seus detalhes, Marianne conseguia perceber além das expressões de Héloïse, e passaram a assim, constituir uma relação bem achegada, onde a simples missão de retratá-la em um quadro se transformou em um sentimento para além do profissional. Ela minuciosamente observa cada parte do corpo da jovem e desenhava-os, parte a parte, convicta de que teria um quadro no decorrer dos dias. Essa foi a chave para que a relação de ambas fosse se transformando em amor, nos pequenos detalhes, em um toque de piano, uma caminhada pela praia, ou em um sorriso raro.
Retrato de uma Jovem em Chamas, ambientalizado em uma ilha no litoral norte da França, no final do século XVIII, não é apenas um filme lésbico. Descreve de forma artística, um período em que as mulheres não tinham escolha, sendo tratadas como objeto de troca em meio às relações familiares, sendo submetidas a casamentos arranjados com homens que muitas vezes só iriam ver pela primeira vez no dia do casamento.
Evidencia o quanto o ideal de liberdade era utópico para as mulheres, e que não era possível viver a vida ao próprio bel-prazer sempre tendo que corresponder às convenções sociais impostas.
- “Ser livre é estar sozinho?”
- "Na solidão eu senti a liberdade. Mas também senti sua falta".
Foi permitido a Héloïse, conhecer o amor sob a companhia de Marianne, contudo, a possibilidade de permanecerem juntas era inviável. Como forma de recordação, Marianne faz um autorretrato no livro de Héloïe na página 28. Aquela seria a forma de recordação, à luz dos arrependimentos que agora sondavam ambas, pela falta de mais tempo e oportunidades desperdiçadas.
Marianne anos depois encontra uma pintura de Héloïse, com a suposta filha da mesma, mas, lá era possível ver o livro, marcado na página 28. Aquela era uma forma de sinal, que apesar de não estarem mais juntas, em pensamento e nas memórias de sua amada, Marianne se fazia presente.
O filme tem uma ambientação que nos remete à várias pinturas, como se estivéssemos a contemplar uma galeria exposta. O caráter descritivo e minucioso deixa evidente leituras vigentes da época, e sentimentos, que muitas vezes não podem ser captados através de uma representação gráfica.
Retrato de uma Jovem em Chamas possui um tom poético, e há de se considerar o quanto faz diferença uma direção e roteiro por parte de uma mulher, ao se retratar o amor entre mulheres. Céline Sciamma nos agracia com um romance suave, sem fetichização feminina, nem erotismo exacerbado, tudo em sua medida. Como a roteirista e diretora mencionou no Festival de Cannes, seu objetivo com o filme era mostrar o romance entre duas mulheres a partir do olhar feminino, raridade no audiovisual.
É possível ver e de certa forma sentir, os opostos, os sentimentos para além do corpo, como quando vemos o vestido de Heloise pegar fogo em sua barra, ou quando Marianne põe fogo na pintura de Heloise, bem onde se localiza o coração.
O filme nos remete à oposição dos ideais de liberdade feminina, e do que realmente seria tal liberdade. Enquanto uma estava prometida ao casamento, a outra poderia se ver como livre dessa carga, contudo, nenhuma das duas teria a liberdade de permanecerem juntas. O filme com maestria conseguiu nos remontar a uma época, e discutir em seu corpo, de forma brilhante, tanto um romance lésbico, quanto problemáticas que afligem as mulheres até hoje.
5 de 5 estrelas.
Confira o trailer abaixo:
Por: Nataly O.

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