|EU VI| HISTÓRIA DE UM CASAMENTO
Data de lançamento 6 de dezembro de 2019 na Netflix (2h 17min)
Direção: Noah Baumbach
Elenco: Adam Driver, Scarlett Johansson, Laura Dern...
Gênero: Drama
Distribuidora: Netflix
Direção: Noah Baumbach
Elenco: Adam Driver, Scarlett Johansson, Laura Dern...
Gênero: Drama
Distribuidora: Netflix
História de um Casamento, retrata a história do que foi uma relação a partir do momento em que ela termina. Dirigido por Noah Baumbach, o filme começa com uma possível leitura de uma carta, mediada por um possível psicólogo. Pelo visto, havia uma conciliação onde ambos, Nicole (Scarlett Johansson) e Charlie (Adam Driver), tentavam lembrar as coisas que gostavam um no outro, para pelo menos, não findar de maneira trágica o casamento.
Era perceptível que ainda existia sentimento entre eles, e que não era realmente desejo dos dois que acabasse assim, mas ao longo do filme entendemos a razão pela qual tudo se encaminhou para o término.
A situação se intensificou, quando Nicole decide contratar Nora (Laura Dern), a advogada, para mediar quanto a separação de bens do casal e auxiliar no processo de divórcio. Nora começa a incitá-la a contar-lhe sobre a história do casamento dela, e Nicole começa a refletir sobre algumas atitudes de Charlie que a faziam mal, mas que ela relevava, ou não tocava no assunto. Percebeu que sempre quis algo só dela, e achou que com o nascimento do filho Henry (Azhy Robertson) seria assim, mas que não foi, afinal o filho é um sujeito à parte dela. Refletiu sobre tudo a que ela se submetia e que só era mãe, sem pertencer a nada, nem possuir nada verdadeiramente. Que no fim das contas Charlie não a via como alguém independente dele. A partir desse momento, a figura de Charlie vai sendo desconstruída como um homem maravilhoso, dando lugar a pensarmos que não há perfeição, e que esse relacionamento teve infidelidades, sobrecarga e ausência por parte dele.
A intimação, advogados, disputa pela guarda, bens e dinheiro acaba por desgastar ainda mais o relacionamento. Fica evidente um pai, que apesar de se considerar presente, é ausente sem estar a par da rotina do filho, dos gostos, sem se importar muito com isso. Charlie, que antes estava disposto a fazer o melhor pelo filho, agora só queria vencer a disputa judicial.
Quando Nicole e Charlie resolvem conversar e tentar resolver somente os dois, sem a presença dos advogados, ela começa a falar tudo o que sentia, de quando estava casada e não era levada em consideração. O quanto Charlie não ligava pra ela. Eles começam a se ofender, e dizer coisas horríveis. Começaram a refletir sobre o amor e egoísmo, e como perderam tudo o que tinham. Seria possível resolver tudo sem ofender e magoar propositalmente o outro?
Esse filme traz várias reflexões sobre o papel da mulher na sociedade e como isso nos afeta diretamente, quando se trata de uma estrutura mais complexa, que são as relações sociais. Um dos pontos altos do filme, que pode ser destacado, foi quando Nora aborda a questão da maternidade e a disputa na justiça pela guarda de Henry:
"Porque a base de nossa conversa judaico-cristã é Maria, a mãe de Jesus, que é perfeita. Ela é uma virgem que dá à luz, apoia incondicionalmente o filho e segura seu cadáver quando ele morre. O pai não aparece. Nem apareceu para a trepada. Deus está no céu. Deus é o pai e Deus não apareceu. Você tem que ser perfeita, mas Charlie pode ser um puto desastre. Você sempre será colocada no nível mais alto. Você é uma fodida, mas é assim que é.”
Com essa fala, Nora explicita o que é percebido quanto à estrutura social vigente. O quanto a sociedade ocidental molda a mulher enquanto mãe imaculada - Virgem Maria -, em uma ideal em que sempre a mulher é avaliada sob o olhar do outro. Não lhe é permitido errar, é preciso alcançar um ideal de perfeição. Por outro lado, ao homem e pai, é permitido o erro, a ausência, e isso não lhe confere um juízo de valor como menos capaz de arcar com suas responsabilidades paternas.
Vemos também que existe uma anulação da mulher para que viva em prol dos ideais do que a sociedade espera para o feminino. Abdicar de seus desejos, sonhos e profissão em prol da vida familiar. Apoiar sempre seu marido, e malmente ser ouvida, e/ou apoiada em recíproca. Desta forma, os desejos do homem acabam por permear a vida da mulher, e muitas vezes deixar os desejos dela em segundo plano. O quanto o patriarcado insiste em nos subjugar e colocar como se tudo fosse também uma escolha nossa, mas na verdade só estamos nos moldando a um papel que nos foi imposto desde o nascimento, e que por vezes não nos damos conta por já estar “naturalizado” pela cultura. Quando Nicole não suporta mais essa situação de se sentir invisível e renegada, as coisas não se ajeitam entre ambos, mas culminam na separação. E isso ocorre porque geralmente não há um equilíbrio nas relações. É sempre a vontade masculina sendo imposta, e caso isso seja desafiado, é a mulher que tem a responsabilidade e o dever de ceder. Contudo, Nicole não estava mais disposta a isso. E leva um certo tempo até a mesma se dar conta que muitas vezes o que a advogada queria dizer, na verdade era o que ela queria dizer. E Charlie não sabe lidar com isso, e não sabe justamente porque por sempre estar no controle não achava que isso era possível; a esposa tomar o controle da própria vida.
O filme brilhantemente mostra as duas faces da moeda, e toda a construção social que permeia o ser mulher e as relações envoltas. Em se tratando de Nicole e Charlie, não há mocinhos ou vilões. De um lado há um homem solitário, egoísta e infeliz; do outro, uma mulher infeliz, mãe esforçada e incompleta profissionalmente. Existem duas pessoas que são suscetíveis aos erros, e passíveis de magoarem-se. Claro que há sentimentos, mas também há racionalidade. E é com base nisso que as ações começam a ser mudadas e ressignificadas.
História de um Casamento desmistifica casamentos e separações utópicas, mostrando que nem tudo é um clichê como nos filmes de romance. Que um divórcio resulta em desgaste, perdas e ressentimentos. E que nem sempre ainda havendo sentimento há como se salvar uma relação. O filme é um tanto longo, mas confesso que não percebi o tempo passar, contudo, para certas pessoas pode parecer uma narrativa arrastada. Fiquei surpresa de como a temática divórcio foi abordada, as implicações resultantes disso, e toda a análise que pode ser feita contextualizando o que parece superficial.
Por fim, História de um Casamento termina como no começo, mas agora, algo se constitui como diferencial. É Henry que acha a carta que a mãe escreveu descrevendo o que amava no Charlie, como no início do filme, e Charlie que termina de lê-la chorando. Nicole parece ter uma nova vida e estar disposta a segui-la esperando que ele faça o mesmo. Sem ressentimentos, mas cada um para um lado, dispostos a ceder se necessário, a depender das circunstâncias. No fim das contas, talvez seja melhor assim.
4 de 5 estrelas.
Confira o trailer do filme abaixo:
Por: Nataly O.
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